06/12/2009

Caeiro... como o simples pode ser extraordinariamente belo

Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
Seria mais feliz um momento ...
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural...
Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva ...
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja ...

Alberto Caeiro

Alberto Caeiro é "básico", simplista, rima com versos brancos (sem rima)... vive, respira e transpira o objectivismo absoluto ou antimetafísico: o que escreve, escreve-o sem subjectivismos... que inveja, também gostava de ser assim!

10 Carneiradas...:

Anónimo disse...

é mxm bonitu o poema

Cátia disse...

Obrigada pelo poema. Um verdadeiro alimento para a minha alma.

Aprendiz de Viajante... disse...

Cátia: sim... alimento para a alma, o poema chega a ser desconcertante, é Caeiro, nu e cru...

Fica com um beijinho meu, saudades!

Aprendiz de Viajante... disse...

Anjo distante: dizer que o poema é bonito é pouco... é bonito demais ;-)

Brincadeira! Obrigado! ;-)

marta leão disse...

Multipliquei-me, para me sentir,
Para me sentir, precisei sentir tudo,
Transbordei, não fiz senão extravasar-me,
Despi-me, entreguei-me,
E há em cada canto da minha alma um altar a um deus diferente.

Álvaro de Campos

Aprendiz de Viajante... disse...

Marta:

Pelos vistos somos ambos fãs de Fernando Pessoa! ;-) Que bom!
Um beijinho

marta leão disse...

...pois somos...

...os livros dele e o principezinho foram os meus livros de mesinha de cabeceira durante anos a fio... (ainda o serão...)

1 beijinho!!

Anónimo disse...

Tens toda a razão ;) é mxm bonito demais..

Um dele que eu gosto muito é o seguinte:

''Sentes, Pensas e Sabes que Pensas e Sentes

Dizes-me: tu és mais alguma cousa
Que uma pedra ou uma planta.
Dizes-me: sentes, pensas e sabes
Que pensas e sentes.
Então as pedras escrevem versos?
Então as plantas têm idéias sobre o mundo?

Sim: há diferença.
Mas não é a diferença que encontras;
Porque o ter consciência não me obriga a ter teorias sobre as cousas:
Só me obriga a ser consciente.

Se sou mais que uma pedra ou uma planta? Não sei.
Sou diferente. Não sei o que é mais ou menos.

Ter consciência é mais que ter cor?
Pode ser e pode não ser.
Sei que é diferente apenas.
Ninguém pode provar que é mais que só diferente.

Sei que a pedra é a real, e que a planta existe.
Sei isto porque elas existem.
Sei isto porque os meus sentidos mo mostram.
Sei que sou real também.
Sei isto porque os meus sentidos mo mostram,
Embora com menos clareza que me mostram a pedra e a planta.
Não sei mais nada.

Sim, escrevo versos, e a pedra não escreve versos.
Sim, faço idéias sobre o mundo, e a planta nenhumas.
Mas é que as pedras não são poetas, são pedras;
E as plantas são plantas só, e não pensadores.
Tanto posso dizer que sou superior a elas por isto,

Como que sou inferior.
Mas não digo isso: digo da pedra, "é uma pedra",
Digo da planta, "é uma planta",
Digo de mim, "sou eu".
E não digo mais nada. Que mais há a dizer?''

Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"

Beijinho .º.

Anónimo disse...

PS: espero que gostes do poema..:)

Beijinho

.º.

marta leão disse...

eu gosto muito de muito...

Se quiserem que eu tenha um misticismo, está bem,
tenho-o.
Sou místico, mas só com o corpo.
A minha alma é simples e não pensa.
O meu misticismo é não querer saber.
É viver e não pensar nisso.
Não sei o que é a Natureza: canto-a.
Vivo no cimo dum outeiro
Numa casa caiada e sozinha,
E essa é a minha definição.



Alberto Caeiro